quarta-feira, outubro 24, 2007

Adeus

Já gastámos as palavras todas pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro
nada.
Antigamente tínhamos tanto para um ao
outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias. os teus olhos são peixes
verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um
aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus ohlos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade

1 Comentários:

Blogger Titá disse...

Eugénio de Andrade é um dos meus escritores preferidos, no entanto, a palavra Adeus é me muito dolorosa. Talvez por isso, este seja um dos seus poemas que masi me entristece e magoa.

Mas foi bom relê-lo

11:56 da manhã  

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