terça-feira, março 03, 2009

De um amor morto fica
Um pesado tempo quotidiano
Onde os gestos se esbarram
Ao longo do ano

De um amor morto não fica
Nenhuma memória
O passado se rende
O presente o devora

E os navios do tempo
Agudos e lentos
O levam embora
Pois um amor morto não deixa
Em nós seu retrato
De infinita demora
É apenas um facto
Que a eternidade ignora

Sophia de Mello Breyner

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinicius de Moraes
Como dizia o poeta
Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não.


Vinicius de Moraes

Eu não existo sem você

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você,


Vinicius de Moraes

terça-feira, dezembro 09, 2008

Poética (I)

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é o meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

Vinicius de Moraes

quarta-feira, novembro 12, 2008

Soneto Do Maior Amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.


Vinicius de Moraes

terça-feira, novembro 11, 2008

Soneto da Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre,e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

Dia de S. Martinho

Martinho era soldado
Do grande Império Romano,
Fazia sua ronda normal
Mas sempre com olhar humano

Noite de tempestade fazia
Martinho gelado estava,
Ao longe um mendigo tremia
Seu corpo depressa gelava.

Martinho ao ver tal situação
Foi ter com o mendigo doente.
Surpreendente foi a sua reacção,
Metade da sua capa deu ao carente.

Com frio Martinho ficou
Mas o seu humano coração
Com a medida que tomou
Bem merecia uma benção.

Martinho voltava ao quartel
Consciente que tinha feito bem,
E seus olhos de mel
Felizes ficaram também.

Mas, de repente, a tempestade
Estava rapidamente a passar.
Apareceu um Sol de liberdade
Calor Martinho passou a gozar.

Martinho ao chegar então
Uma imagem de Deus viu,
Deus benzeu seu coração
E a Martinho obrigado pediu.

Martinho ao viver tal situação
Deixou o exército e converteu-se.
Passou a ser fiel cristão
E a sua alma enriqueceu-se.

Para um convento Martinho partiu
Em oração eternamente ficou,
Pelos pobres ele sempre pediu
Os carenciados ele muito amou.

Todos os anos a 11 de Novembro
O Sol volta por Martinho,
Não aparece a chuva de Dezembro
Mas sim um clima quentinho.

Martinho é Santo verdadeiro
Que protege os coitados,
Continua o mesmo cavaleiro
Que amou todos os carenciados.

DSF

domingo, agosto 24, 2008

Se tanto me dói que as coisas passem

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem

Sophia de Mello Breyner

quinta-feira, julho 17, 2008

Blocos

É isto vivemos dentro
De grandes blocos de gelo
Sem aquecermos ao menos
Com os dedos outros dedos
No fundo de nós temendo
Que um dia se quebre o gelo

David Mourão-Ferreira