quinta-feira, março 01, 2007

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem, vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou a minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo,
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: ”Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa